Educação
Após 15 anos, avaliação das cotas é positiva
Em junho de 2003 a UnB se consolidou como universidade pioneira na implantação da política de cotas, o que trouxe avanços e tornou a universidade mais democrática

Inicialmente, a política garantia 20% das vagas para negros. Foi um marco para a população negra brasileira. Porém, as cotas geraram e até hoje geram muita discussão. Em entrevista com o Campus Online, estudantes da UnB compartilharam suas experiências e concepções sobre a mudança que a política de cotas proporcionou para a universidade.

A mestranda Anne Caroline ingressou na universidade em 2009 e se formou em Letras Português. Anne conta que já época as pessoas acreditavam que com a entrada de cotistas haveria defasagem do ensino. “As ofensas não costumavam ser diretas, mas existia um mal-estar sobre a nota na CAPES cair” afirma.

Depois de terminar a graduação que a estudante notou uma quantidade maior de alunos negros. “É bem mais confortável estar num ambiente assim”, afirma. Apesar dessa mudança, Anne ressalta o problema, ainda recorrente, da falta de professores negros. “ O problema é que temos poucos docentes negros nas universidades, e assim seguimos com aulas que ressaltam uma pressuposta genialidade eurocêntrica”.

Com a ampliação da política para cotas de escola pública, considerando a situação socioeconômica, o total de vagas reservadas atualmente é de 33,5%. Segundo dados dos decanatos de Ensino de Graduação (DEG) e de Planejamento e Orçamento (DPO), cerca de 19.373 alunos já ingressaram na graduação por cotas (de todos os tipos) desde a criação do sistema.

Em 2017, 33% dos calouros se autodeclararam pretos e pardos e 29% alunos de escolas públicas. Atualmente, são 2482 estudantes matriculados que ingressaram por cotas para pretos, pardos e indígenas (PPI).

A Doutora em história e professora Joelma Rodrigues destaca o quanto essa política abre portas e permite a ascensão da população negra e de baixa renda. “Ver pessoas negras no interior das universidades, nos mais diversos cursos, muitas as primeiras de sua família, e saber que elas se tornam exemplos de que é possível estar naquele lugar para além dos trabalhos subalternizados, renova os ares da academia”, comenta.

O estudante de administração Lineker Teixeira foi o primeiro da família a ingressar no ensino superior. Como estudante de escola pública, passou por um choque cultural. “Eu venho de uma cidade periférica. Na minha escola, que era pública, tinham muitos estudantes negros e eu nunca tinha me sentido tão diferente. Quando eu cheguei aqui na universidade a turma era majoritariamente branca e de classe alta. Foi bem difícil”.

Lineker (foto acima) conta que a política de cotas permitiu a entrada de mais pessoas da família. “Depois de mim entraram alguns primos. Acho que a política de cotas está permitindo a nossa família de ingressar nesse ambiente que até então não tinha”. O estudante é de baixa renda, por isso começou a trabalhar desde o segundo semestre para se manter no curso, o que acabou por comprometer o desempenho acadêmico.

Jefferson Silva (foto abaixo), estudante de Artes Visuais ingressou em 2013 e também foi o primeiro da família a cursar o ensino superior. Ele fala da dificuldade de adaptação no ambiente acadêmico. “No início eu achei meio estranho porque eu era um dos poucos negros da minha sala. ” Jefferson acredita que mesmo após 15 anos de implementação da política de cotas o quantitativo de pessoas negras na Universidade ainda é baixo. “Ainda não conseguimos ver a população negra, que é maioria no Brasil representada na universidade”.

Além dos desafios para ingressar na universidade, há também a dificuldade de ingressar no mercado de trabalho. O estudante, que é provável formando, já sofreu discriminação ao tentar um trabalho. “Já me disseram que eu não tinha perfil para trabalhar em uma exposição de Design” desabafa. Tal situação mostra que mesmo após 15 anos de mudanças, ainda há muito o que se fazer para conquistar igualdade e espaço dentro e fora da universidade.