Honestino Guimarães foi estudante de Geologia na Universidade de Brasília. Em 1965, foi aprovado em primeiro lugar no vestibular. Era militante contra as forças que orquestraram um golpe de Estado, desde o ensino médio no Centro Integrado de Ensino Médio de Brasília. Na UnB foi eleito para o Diretório Acadêmico de Geologia, foi preso por pichar frases que se opunham ao presidente Costa e Silva, foi presidente da Federação dos Estudantes Universitários de Brasília (FEUB), eleito enquanto estava preso por suposta associação a movimento guerrilheiro no interior de Goiás. Com o Ato Institucional Número Cinco foi viver clandestinamente em São Paulo, posteriormente Rio de Janeiro. Honestino foi preso quatro vezes, até desaparecer nas mãos do Estado em sua última prisão.
Honestino é o nome que batizou o Diretório Central dos Estudantes da UnB e este gesto carrega, principalmente, juramento e intenção. O juramento é de que nenhum estudante, ou qualquer cidadão, tenha que se sujeitar aos martírios que Honestino e tantos outros viveram nas mãos o Estado. A intenção é centrada na busca que esse estudante incorporava: liberdade, equidade, justiça.
Frente ao caos que rege o país, não passa despercebido o retrato social do microuniverso da UnB que projeta muito bem o que acontece com o Brasil. Vejamos o contextual express dessa conjuntura.
A ala conservadora da UnB se fazia ouvida na chapa de gestão do DCE “Aliança pela Liberdade” em seu quarto mandato quando, em 2017, foi substituída pela chapa eleita “Todas as Vozes”. É importante notar que esse quadro se formou durante as ocupações do ano anterior. Mas antes de voltarmos ao presente, vamos pensar um pouco sobre esse momento específico.
Em 2016, em meio às crises políticas causadas majoritariamente pelo Golpe àquela que era a Presidenta eleita Dilma Rousseff, o objetivo da assembléia estudantil do dia 31 de outubro deste ano era debater a Proposta de Emenda à Constituição 55 (antiga 241), a famosa PEC do teto de gastos que prevê redução significativa nos gastos com educação e saúde, os únicos da proposta que exigem uma mudança da Constituição.
É importante ressaltar que estudantes de todo o Brasil ocupavam suas escolas secundaristas e universidades, buscando não só o debate mas estimular o país todo a bater o pé e não deixar que isso passasse. Essa assembléia, que segundo o DCE reuniu 1,3 mil pessoas, decidiu por ocupar a reitoria e deu o pontapé inicial para mobilizar a instituição. Essa assembléia teve 23 pessoas opositoras a essa decisão.
Esses esforços estudantis não foram o suficiente para impedir a PEC, não impediu a reforma do ensino médio, não tirou o Temer do poder, não resolveu os problemas do país, mas parecia ter dado novos ares a uma universidade que andava parada à direita.
Discutir esquerda e direita, com as grandes instituições de poder ruindo paulatinamente, é quase anacrônico, mas ainda é representativo, mesmo que por vezes genérico. E assim, as ocupações ainda reverberando no clima geral da universidade, uma nova frente de oposição surgia.
Os boicotes às ocupações vieram no movimento “#RespeitaMinhaAula”, encabeçado, majoritariamente, por membros da “Aliança” e apoiadores. Esse direcionamento, independente de direita, esquerda, em cima ou embaixo, sempre pareceu confuso, perdido, sem foco. A discordância política é compreensível, o que não é é a crença de que o que desrespeita sua aula sejam alunos que protestam por uma universidade para todos, ou pelo menos para o máximo de pessoas que ficam de fora do “para todos”.
A chapa “Todas as Vozes” pode não ter sido expressiva em ações práticas para a comunidade discente, no entanto, conseguiu o feito que os partidos do mundo real aí fora não conseguem: unificou a esquerda, encontrou os espaços de interseções nessas múltiplas esquerdas e se fez ouvida e eleita.
A fragmentação da esquerda no mundo real, aconteceu nessa eleição do DCE. Cinco chapas, duas de direita, duas de esquerda e João Marcelo, como candidato a Representante Discente.
Então vamos afunilar esse texto às conclusões. Do lado de fora: era Temer imediatamente e forçadamente pós-esquerda, parte da população descrente da possibilidade de eleição, parte carregando tipos como Bolsonaro para a liderança de intenção de votos, que em primeiro lugar figura um candidato preso político. Na UnB de 2018: crise orçamentária, declarações bombásticas como “a UnB funciona até agosto”, e campanha da chapa eleita exaltando o “#RespeitaMinhaAula”. É difícil apontar se os alunos dessa instituição, a maioria pessoas altamente privilegiadas, compreendem muito bem o que essa vitória significa.
Em 2017, “Todas as Vozes” foi eleita com 7017 votos, a eleição toda teve 12.125 votos. Em 2018, “Aliança pela Liberdade”, teve 3.347, 6.665 votos no total.
Difícil saber se compreendemos bem a conjuntura política que a UnB se insere. Se percebemos bem o que está acontecendo ao nosso redor. Se entendemos a gravidade da situação do país e como essa vitória é sintomática e simbólica.
Talvez toda a comunidade acadêmica (estudantes, professores, servidores e terceirizados) precise se atentar, se lembrar, principalmente, o peso, o significado e a importância do nome Honestino Guimarães.