Opinião
Proibir doação de sangue por gays fere direitos constitucionais

A questão da doação de sangue por homens homossexuais ainda gera muita polêmica. Parte disso pode ser associada aos estigmas decorrentes do final dos anos 1980, quando o tema começou a ser amplamente discutido devido à proliferação do vírus HIV. Nesta mesma época, foi criado o conceito de “grupo de risco” e havia pouca conscientização da população acerca da AIDS.

Com o avanço da medicina, os anos 2000 marcaram no mundo o início da implementação de políticas que visam permitir a doação pelos denominados HSHs, “homens que fazem sexo com outros homens”. Segundo estas políticas, a doação seria permitida desde que respeitado determinado período, que varia entre seis meses a cinco anos após a última relação sexual. Já no Brasil, as políticas públicas têm se mostrado discriminatórias e arbitrárias. A homofobia é institucionalizada.

Em 2011, os Hemocentros foram proibidos de usar orientação sexual como critério para a escolha de doadores. A norma, porém, não anulou o fato de que estes homens ainda encontram dificuldades e preconceitos no processo. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) alega que pertencem a um “grupo de risco”.

O uso do termo, neste contexto, procura indicar que esta parcela da população estaria mais sujeita à transmissão de IST’s (infecções sexualmente transmissíveis) devido à prática de sexo anal. A restrição é válida para todos os homens gays, bissexuais e travestis, e não apenas para indivíduos que realizaram sexo desprotegido.

Não seria mais coerente, portanto, focar na prática sexual ao invés da orientação do indivíduo? Cabe lembrar que a contaminação por HIV cresceu expressivamente nos últimos anos dentre as mulheres heterossexuais casadas, segundo dados do Ministério da Saúde. Mesmo assim, casais heterossexuais que praticam o sexo anal não sofrem a proibição na hora de doar sangue.

O argumento deixa de pertencer a uma perspectiva social e acaba sendo inserido em um aspecto da saúde pública, gerando uma influência social maior por consequência da transferência desses preconceitos e achismos sociais para o meio clínico. A legislação continua marginalizando a população homossexual. Mulheres travestis também estão incluídas na categoria HSH, desrespeitando a identidade de gênero individual e constituindo uma prática discriminatória.

Levando em conta todos estes pontos e visando o respeito à dignidade humana, foi elaborada a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.543. Proposta pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), a ação pede uma medida cautelar contra a lei que proíbe a doação de sangue por homens que tiveram relações sexuais com outros homens e/ou as parceiras sexuais destes pelo período de 12 (doze) meses a partir da última relação sexual.

O Centro Acadêmico de Direito da Universidade de Brasília (CADIR/UnB) entrou, representado pelo escritório Cezar Britto Advogados Associados, como “amicus curiae” (ou amigos da corte), apoiando a ADI 5.543. Baseado no que se entende por esta ADI, uma solução excluir como candidato de doação todos aqueles que tiveram relações sexuais desprotegidas, sem necessidade de especificar orientação sexual.

A medida cautelar visa suspender a portaria até o julgamento, porém em outubro completa um ano que o processo continua parado. Até quando o preconceito vai impedir que milhares de vidas sejam salvas?