Educação
Em livro, ex-professor da UnB questiona racismo na televisão

Fruto do mestrado de Richard Santos, o livro Branquitude e Televisão: A Nova África (?) na TV pública, foi lançado no segundo semestre deste ano. A obra questiona a falta de identificação que passam indivíduos negros frente à televisão, uma vez que pessoas escuras – quando aparecem - são colocadas em lugares de fala estereotipados.

O texto analisa especificamente o programa Nova África, exibido pela TV Brasil, e a forma com que era trabalhada a imagem da única apresentadora negra entre outros dois principais. Através da imagem nas mídias, constrói-se uma ideia não apenas de quem é o indivíduo negro de forma negativa, mas de quem são os detentores dos signos de poder e direito, geralmente não negros. O professor leva à luz os detalhes gigantes que se deixa passar graças ao costume de não observar o preconceito racial ou procurar entender como se manifesta.

Curiosamente no mesmo ano da publicação do livro, muito se falou sobre a novela Segundo Sol, de João Emanuel Carneiro para a Rede Globo. As muitas críticas que a emissora recebeu questionavam o porquê da trama não possuir um personagem principal não branco sequer quando o cenário era a Bahia, que por muitos anos ocupou o lugar de estado brasileiro com mais cidadãos negros (IBGE). A Globo se defendeu em nota ao HuffPost alegando que "não pauta as escalações de suas obras por cor de pele" e que "os critérios de escalação de uma novela são técnicos e artísticos”. É sempre complexo discutir racismo mesmo quando os números o apontam. Questionar o fato de poucos dos contratados serem negros acaba em pizza quando o argumento resposta justifica-se pela técnica, disponibilidade do elenco e perfil do personagem, como se não houvessem encontrado pessoas negras que se encaixassem. Mas será que procuraram? Fica, como sempre, um questionamento vazio.

Ainda mais afundo que os números, interessa estudar como são mostrados os indivíduos não brancos que já ocupam o espaço televisivo. No caso do livro Branquitude e Televisão, o ponto mais reforçado não é o fato de dois de três apresentadores em um programa sobre África e cultura negra serem brancos. Antes, é a forma com que esta única pessoa negra é tratada pela narrativa. Entre as muitas viagens por diferentes países em África, a apresentadora está sempre caracterizada com símbolos do local, enquanto as outras duas pessoas seguem em suas estéticas cotidianas. Sem mais detalhes sobre o livro, fica a dica de leitura à todos os seres pensantes que buscam aprender e melhorar.

Entre a academia branca e arte negra: mil faces de um homem leal

Antes mesmo de adentrar o espaço acadêmico, o professor Richard Santos, também conhecido como Big Richard, já trabalhava com comunicação e era conhecido por suas habilidades com o rap e envolvimento na cultura hip-hip. Nascido no Rio de Janeiro conquistou o próprio espaço em São Paulo, Brasília e outros estados do Brasil através de seu trabalho com a comunicação televisiva nas áreas de cultura, periferias e música. Tudo sem deixar passar nenhuma chance de falar sobre negritude entre suas passadas pela Rede Globo, TV Band, TV Cultura, MTV, Record, entre outras emissoras.

O professor Richard Santos. (Foto: Caroline Souza)

Richard se mudou para Brasília a convite da TV Brasil para produzir reportagens especiais sobre seus temas de domínio. O autor se cansa da vida artística e midiática eventualmente, decide se dedicar à academia e já graduado em ciências sociais faz especialização em história e cultura no Brasil. Seguido de mestrado em comunicação e por fim doutorado em ciências sociais com especialização em estudos latinos americanos, no ELA – UnB. Hoje, leciona na Universidade Federal do Sul da Bahia pelo Centro de Formação em Artes, onde trabalha o audiovisual, e também pela Pós-Graduação, onde trabalha a educação para as relações étnico-raciais. São figuras importantíssimas que andam por aí grandes e gigantes de sorriso no rosto, sem que sequer saibamos o quanto já realizaram nesta vida... confira a entrevista:

Campus – “Branquitude e Televisão” é seu primeiro livro lançado, professor? Se não, conta pra gente quais outros já saíram. Se sim, tem vontade de lançar outro?

Richard Santos – Não, meu primeiro livro ou dois primeiros, pois saíram juntos, é do ano de 1998, quando lancei “O Rei Zumbi- Um herói da Liberdade” e “Zeca e Juninho no mundo dos homens” pela editora Planeta Paz. Àquela altura eu procurava livros infantis com personagens negros para meus filhos Kayodê, com 4 anos, e Kazembê, com 1 ano, e não encontrei nenhum com personagens infantis negros em situação de dignidade. Como sempre acreditei na ousadia para a mudança, nunca aguentei esperar que fizessem por mim o que eu mesmo poderia fazer, fui lá e escrevi, os livros contaram com ilustração da Munirë Pereira e apoio da comunidade Bahaí do Brasil. Entre 1999 e 2000 criei e editei a revista Hip Hop Cultura de Rua, em parceria com a WG Propaganda, com distribuição nacional e correspondente no Brasil e exterior. Posteriormente, em 2005, lancei o “Hip Hop Consciência e Atitude”, minha perspectiva do Hip Hop no Brasil e sua ação político-militante. Porém, academicamente, Branquitude e Televisão é meu primeiro livro autoral, tenho diversos artigos publicados e colaboração em livros compartilhados com outros autores.

Neste momento, além da divulgação de “Branquitude e Televisão”, que tem sido muito bem recebido pelo público e adotado como bibliografia básica em alguns cursos universitários, inicio o trabalho de adaptação da minha tese doutoral em livro, ainda sem previsão para publicação.

Capa do livro "Branquitude e televisão". (Foto: divulgação)

Campus – Com base no livro, qual o perfil majoritário das pessoas que aparecem na televisão brasileira e qual o impacto disso na vida em sociedade dos que não fazem parte deste perfil?

Richard Santos – De modo geral a pluralidade racial da população brasileira está representada na plataforma televisiva. Para alguém que assista do exterior a nossa televisão, identificará nossa pluralidade racial, esse não é o problema. A problemática está é nos lugares ocupados por brancos e não brancos na sociedade brasileira, e como isso é determinante para a afirmação da subalternização e invisibilização dos negros no Brasil. O livro aponta que os brancos são os sujeitos dominantes na frente e atrás das câmeras, e por esse motivo, também, produzem signos de hegemonia e superioridade para seu grupo racial, e de exótico e subalterno para os demais não brancos, principalmente o sujeito negro/ afrodescendente. No livro, chamo os não brancos de Maioria Minorizada e aos negros, aponto que está reservado a eles o lugar de Sujeitos Desidentificados. Dois termos que penso determinar o lugar construído para a maioria de estética não branca brasileira.

Campus – Enquanto autor, professor, jornalista e membro respeitado do movimento negro, como se sente pessoalmente ao saber que contrariou as estatísticas da maioria dos homens negros em sua idade?

Richard Santos – De modo geral me sinto tristemente vitorioso, alguém que contrariou as estatísticas, porém, não é algo de felicidade plena, pois, gostaria de não me ver sozinho neste lugar. Acredito nas conquistas coletivas, nas vitórias da comunidade, e ser um dos poucos no lugar que ocupo é determinante para entender que 130 anos depois ainda vivemos sob o jugo da escravidão e suas consequências. Ao contrário dos individualismos que vimos florescer na sociedade brasileira neoliberal, a ode ao consumo e a alegria instantânea, meu senso crítico, minha visão crítica radical de mundo (recuperando a influência de Clóvis Moura, Frantz Fanon e Achille Mbembe que existe em mim) não me permitem a felicidade inocente, trago comigo uma felicidade guerreira, como diz a música de Gilberto Gil, outra grande referência para que seja o que sou.

"Acredito nas conquistas coletivas, nas vitórias da comunidade, e ser um dos poucos no lugar que ocupo é determinante para entender que 130 anos depois ainda vivemos sob o jugo da escravidão e suas consequências."

Campus – Na sua opinião, qual a importância de produzir conteúdo acadêmico e científico sobre a temática racial frente a um cenário tão cheio de opiniões sem conhecimento na internet?

Richard Santos – Veja, por mais que produzamos e acreditemos estar interferindo no senso comum propagado, também, pelas redes sociais, fato é que a produção acadêmica de alto nível estará restrita ao acesso de poucos. Será aquela eterna minoria maiorizada (invertendo a lógica de meu conceito) que estará usufruindo do produto intelectual estratégico. Uma série de fatores devem ser levados em conta nesta minha afirmação, o mais consistente é que a produção intelectual acadêmica é uma produção elitizada e feita para o diálogo entre as elites. Ao produzirmos em alto nível estamos tentando acessar uma série de códigos e signos historicamente negados aos sujeitos subalternizados, ao mesmo tempo, nossa produção tem que se caracterizar como uma tradução intercultural para os distintos mundos a que pertencemos. Só a partir desse esforço em transitar nos dois mundos é que nos afirmaremos e seremos reconhecidos entre pares tão distintos, e, quiçá, influenciaremos a outros a tentarem arrombar as portas da subalternidade e invisibilização a que estamos historicamente submetidos.

SERVIÇO

Branquitude e Televisão: A Nova África na TV pública

Ano: 2018

Autor: Richard Santos

Editora: Gramma

Valor: R$ 45,00

Número de páginas: 156