Educação
Intercampi em crise
Colapso orçamentário da Universidade de Brasília afeta rotina de estudantes que dependem do sistema de transporte integrado entre os campi

Quem mora em alguma região administrativa (RA), mas estuda no principal campus da Universidade de Brasília, o Darcy Ribeiro, já enfrenta problemas diariamente com as longas distâncias que separam a residência e o centro acadêmico. Mas, com as novas mudanças implantadas pela gestão da universidade, a situação ficou ainda mais complicada para muitos estudantes. A partir do segundo semestre de 2018, o transporte gratuito para mobilidade entre os campi da UnB, conhecido como Intercampi, passou a ter uma nova escala de horários.

A estudante de Agronomia Yasmin Lima, de 18 anos, já tem sentido dentro de sala de aula os impactos das alterações nas linhas de transporte.

“Como só são disponibilizados poucos horários, o Intercampi fica super cheio. Passamos por dificuldade também para pegar, já que a fila se forma com muita antecedência. Ou seja, se a professora demora na aula, a gente perde o transporte. Então, temos que sair meia hora mais cedo. Isso atrapalha no andamento da aula”, afirma.

De acordo com Yasmin, perder o intercampi significa prejudicar a rotina de estudos.

“Perdendo o intercampi, tenho que pegar o ônibus circular normal e isso atrasa. Para mim, essa mudança é muito ruim. Agora, como cortaram a linha das 16h, quando fico sem aulas na UnB, preciso passar meu tempo esperando, desnecessariamente, para retornar para casa”, reclama.

Assim que acorda, Déborah Honório, 18, estudante de Ciências Contábeis e moradora de Ceilândia, uma das RAs que conta com o serviço, já pensa no calvário que precisará enfrentar para chegar à universidade. É que ela, com a pouca oferta do Intercampi, precisa sair de casa ainda de madrugada para garantir a ida diária à universidade.

“Saio 5h50 para pegar um ônibus de linha normal para, às 6h, chegar ao campus da Ceilândia. Fico uma hora na fila para garantir meu lugar até 7h. Aí, sigo para o (Campus) Darcy Ribeiro”, explica.

Deborah Carolina, moradora de Planaltina, é estudante de Biotecnologia. Graduanda da UnB, Deborah fazia uso dos Intercampi como forma de facilitação do acesso ao Campus Darcy Ribeiro. O que antes eram duas viagens diretas, uma de ida e uma de volta, feitas pelo Intercampi, hoje são quatro viagens, sendo uma de Intercampi e mais três em ônibus convencionais. A alteração da frota dos intercampi acabou por prejudicar os que teriam de ser, em teoria, os maiores beneficiários do transporte.

Prejudicada pela alteração dos horários do transporte oferecido pela universidade, a estudante passou a gastar, no mínimo, duas horas até chegar em casa após um dia convencional de estudo. Como paralelo a essa realidade, vale ressaltar que com a antiga frota dos Intercampi, Deborah levava apenas 40 min para completar a rota.

As consequências não param por aí. A redução da frota prejudicou também o rendimento acadêmico de Deborah. “Chego muito mais cansada em casa. Pego três ônibus e muitas vezes vou em pé. Prejudica muito”, explica. Para completar o problema, a estudante relata ainda que, se antes não tinha despesas para chegar à UnB, hoje gasta R$ 17 por dia somente com o transporte para a faculdade.

Erik Imbuzeiro, 21, estudante de Engenharia Aeroespacial e morador do Jardim Botânico, acredita que o propósito teórico dos Intercampi é integrar os quatro campi da UnB, auxiliando os alunos que não possuem grandes recursos financeiros a terem acesso a um serviço de transporte de qualidade e gratuito.

Segundo o universitário, o que acontece, porém, é que com a redução da frota, o pensamento do transporte passou a ser direcionado inteiramente ao Campus Darcy Ribeiro. “Parece que agora a preocupação é levar alunos ao Campus Darcy Ribeiro. Mas e os que estudam nos outros três campi?”, questionou.

Como começou

A Universidade de Brasília (UnB), inaugurada em 1962, possui, em seus princípios idealizadores, o livre trânsito de alunos entre os diferentes cursos e disciplinas. Nesse sentido, a universidade, que conta hoje com quatro campi: Darcy Ribeiro (Asa Norte), Gama, Ceilândia e Planaltina recebe, diariamente, cerca de 50 mil pessoas apenas no campus do Plano Piloto. Nas principais vias da universidade, os carros, como meio de transporte individual, competem com ônibus de empresas transportadoras, além da frota do Intercampi, um benefício de mobilidade concedido a estudantes, mas que, ultimamente, está se tornando uma verdadeira dor de cabeça.

Criado há mais de dez anos, o Intercampi, transporte gratuito para mobilidade entre os campi da UnB, tinha como objetivo principal facilitar o deslocamento de alunos que estudavam em campus que ainda estavam em fase de implantação e tinham as aulas realocadas para o Plano Piloto. No entanto, atualmente, com a infraestrutura consolidada, um grupo de estudos, no primeiro semestre deste ano, realizou a mudança de horários de linhas, além da exclusão de algumas.

Em nota divulgada no início do semestre, o prefeito do campus, Valdeci Reis, explicou que as mudanças justificam-se pela logística do transporte. “Na fase de estruturação dos novos campi, enquanto se implantava a infraestrutura e o corpo docente dessas unidades acadêmicas estava em fase de contratação, os estudantes precisavam cursar disciplinas fora, especialmente no campus Darcy Ribeiro. Assim, podiam cumprir os créditos exigidos por seus cursos, sem atraso.”

Como está

Nos anos anteriores, os universitários possuíam um leque de opções, em diversos horários, para transitarem entre os diferentes campi com mais flexibilidade. No entanto, atualmente, com a redução de frota, os universitários ficam à mercê do número limitado de viagens feitas. Em estudo feito pelos estudantes da matéria Campus, foi observada uma queda do número de viagens em 52,95% quando comparado a 2017. Confira:

Arte: Marina Julião

Palavra de especialista

Pós-graduando em transportes na UnB, Pastor Willy defendeu seu ponto de vista em entrevista sobre o assunto da redução da frota dos Intercampi. Segundo ele, a prioridade do serviço de mobilidade deve ser o aluno. Se o estudante está sendo prejudicado pela alteração dos horários de ônibus, há que se procurar outra alternativa para satisfazer ambas as partes - estudante e universidade.

“Ter a mobilidade com os intercampi é fundamental para maior interação entre os alunos, além de um melhor aproveitamento e complementação de disciplinas que se realizam em cada um dos campus”, afirmou quando questionado sobre a importância dos intercampi.

Completa ainda dizendo que “nada justifica que os alunos fiquem sem mobilidade”. Para Willy, o corte de gastos não pode prejudicar a mobilidade do aluno, afinal, sem mobilidade não há acesso à educação.

O que diz a UnB

Como justificativa para a adaptação de horários oferecidos pelos Intercampi, o prefeito da Universidade de Brasília, Valdeci Reis explicou que a mudança faz parte de uma adaptação orçamentária e de uma análise feita pelos diretores dos três campi - Planaltina, Gama e Ceilândia. Segundo o prefeito, os diretores perceberam que as grades horárias não contemplavam a necessidade de transitar entre os campi.

Questionado sobre a possibilidade de retorno aos antigos moldes de horários de trânsito dos Intercampi, Valdeci afirmou que, pelo menos por enquanto, não há possibilidade. Completou dizendo que o Intercampi atende plenamente aos alunos que precisam do serviço.

Reportagem: Gabriel Escobar, Gabriel Ponte e Mariah Aquino

Produção: Marina Julião e Murilo Fagundes

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