Comportamento
Cerca de 288 pessoas esperavam por atendimento especializado em saúde trans pelo SUS até agosto
São 476 operações e mais de 18 mil atendimentos desde 2008

Cerca de 288 pessoas estavam na lista de espera por intervenções de redesignação sexual pelo Sistema Único de Saúde (SUS) até agosto. Segundo o Ministério da Saúde, são 11 os hospitais federais habilitados para oferecer serviços especializados à população trans no país, sendo cinco para operações e seis para ações ambulatoriais.

Em 2006, o SUS publicou a Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde, que legitimou o direito ao uso do nome social, pelo qual travestis e pessoas transgêneras escolhem ser chamadas – não apenas em serviços especializados, mas em todos os outros serviços da rede pública de saúde. Já o processo transexualizador foi instituído em 2008 e ampliado em 2013, a partir de portarias. Desde sua criação até abril de 2018, foram realizados 476 operações e mais de 18 mil atendimentos.

Atualmente, os procedimentos que fazem parte do processo são: cirurgias de redesignação sexual; mastectomia (retirada de mama); plástica mamária reconstrutiva (incluindo próteses de silicone); e tireoplastia (troca de timbre de voz). Também, há o atendimento no âmbito ambulatorial (acompanhamento clínico, acompanhamento pré e pós-operatório e hormonioterapia).

Para ter acesso ao processo, pacientes a partir de 18 anos precisam passar por acompanhamentos mensais durante 2 anos antes de qualquer operação. A idade mínima para a realização de todas é de 21 anos.

A tabela a seguir mostra quais hospitais federais oferecem os procedimentos.

Dois grupos de crianças e adolescentes também podem receber assistência. A faixa etária de um grupo vai de 12 a 17 anos, e do outro, de 17 a 21 anos. O foco não é em procedimentos cirúrgicos, mas em intervenções psicossociais, como estratégias de relacionamento em sociedade preconceituosa e conscientização de direitos sociais.

Sobre o acesso a procedimentos pelo SUS, o Ministério da Saúde afirma que “a inclusão de pacientes na lista de espera é feita por gestores [de secretarias de saúde] locais”.

A bandeira do orgulho transgênero foi criada em agosto de 1999, por Monica Helms e tem cinco listras horizontais. São duas listras azuis, cor tradicionalmente ligada aos meninos, duas listras cor-de-rosa, cor tradicionalmente ligada às meninas, e uma faixa central branca, para aqueles que estão entre os dois sexos, em transição de um para o outro ou consideram ter um gênero neutro ou indefinido. (Foto: reprodução)

Diversidade afetiva

Em seu livro Sociologia, o britânico Anthony Giddens chama a atenção para o uso do termo ‘opção sexual’ no lugar de ‘orientação sexual’. Porque “‘orientação sexual’ diz respeito à direção da atração sexual ou romântica da pessoa. O termo ‘opção sexual’ é enganoso e deve ser evitado, pois implica que a atração sexual ou romântica da pessoa é totalmente questão de escolha pessoal”.

Em publicação na revista Anis – Instituto de Bioética –, sua fundadora e professora da Universidade de Brasília Débora Diniz diz que “falar em diversidade sexual requer situar questões relativas a gênero [...] no terreno da ética democrática e dos direitos humanos, apelando para a necessidade de se reconhecerem como legítimas as múltiplas e dinâmicas formas de expressão das subjetividades, dos corpos e das práticas sexuais”.

Mesmo com a Política Nacional de Saúde LGBT de 2011 e as campanhas veiculadas em 2016, maus contatos entre profissionais da saúde e comunidade T ainda são um obstáculo. Por isso, a atualização de profissionais tem sido incentivada, por exemplo, por meio de cursos da Universidade Aberta do Sistema Único de Saúde, que oferece cursos presenciais em mais de 5 mil municípios.

O cientista político trans Marcelo Caetano, de 29 anos, formado pela Universidade de Brasília, esclarece que existem diversas alternativas biomédicas e intervenções cirúrgicas que podem deixar as pessoas mais confortáveis com o próprio corpo, e não só pessoas trans. “Todos devem ter autonomia sobre o próprio corpo para decidir, mas vale pensar também no quanto essas intervenções acontecem realmente porque a pessoa vive em grande sofrimento sem elas, e se há alguma régua da cisgeneridade operando aí”, indica Caetano.

O cientista político Marcelo Caetano. (Foto: reprodução de rede social)

Educador social na região da Estrutural, no Distrito Federal, ele avalia o nível de informação da população brasileira sobre a comunidade T. “Com a grande massificação da internet nesta última década, muita coisa mudou: novos canais de voz e fala se abriram para pessoas trans e a questão chegou em muitos lugares: na grande mídia, na academia. Alguns direitos foram garantidos. Pessoas trans estão resistindo há décadas e, hoje, essa se tornou uma questão que chega a muitos lugares do mundo.”

Caetano também se identifica como poeta. Veja na íntegra um de seus trabalhos.

Meu corpo é um campo de batalha

Meu corpo é um campo de batalha.

Meu peito, minha arma;

minha carne, uma couraça;

meu sangue, combustível.

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Meu corpo é um campo de batalha.

Fiz do coração minha morada;

de minha pele, uma muralha.

Nas mãos, revolução.

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Fiz de mim metaforia.

Para que as palavras dissessem menos

e os olhos gritassem mais.

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Meu corpo é um campo de batalha.

Minha respiração, transgressão.

De minha existência fiz moinho,

pulsei sem permissão.

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De mim mesmo fiz destino.

Para todos, rejeição.

Do querer fiz passarinho,

os que não me querem, eles também morrerão.

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Meu corpo é um campo de batalha.

Minha carne, insistência.

De minha pele fiz cicatriz.

De minha alma, resistência.