Educação
Educação além dos sentidos: a vida de alunos surdocegos na UnB

Iury Moraes, 25 anos, foi o primeiro aluno surdocego a ingressar na Universidade de Brasília. Ele fez três vestibulares antes de conseguir, na quarta tentativa, em 2016, passar para o curso Língua Brasileira de Sinais e Português como Segunda Língua. Hoje, Iury está no 7º semestre e já faz planos para o futuro. No próximo semestre ele apresentará o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) sobre o ensino da Língua Portuguesa como Segunda Língua a surdocegos na educação básica, por meio de inclusão. Ele deseja, também, ser educador e produzir materiais adaptados aos surdocegos.

A luta de Iury para ter acessibilidade adequada a suas necessidades é diária. Logo no início, para conseguir passar na UnB, ele precisou solicitar uma prova super ampliada, com fonte de tamanho 26, em negrito, caso o contrário não conseguiria realizar o vestibular: Iury só tem a baixa visão do olho direito. Antes de entrar na UnB, passou em Letras no Instituto Federal de Brasília (IFB) e chegou a iniciar o curso, mas desistiu. Mais uma vez, a falta de acessibilidade atrapalhou a aprendizagem do aluno.

Quando entrou na UnB, fez de tudo para seguir o ritmo das aulas, provas e trabalhos junto à turma e, apesar das necessidades distintas, sempre acompanhou os outros colegas de curso, surdos e não surdos. Iury precisa de provas super ampliadas, com fonte aumentada em tamanho 26, espaçamento diferenciado e negrito, além de intérprete, tablet, data show, mesa adequada para colocar materiais e tutor. Ele também necessita de guia-intérprete para usar a Libras em campo reduzido ou Libras tátil, pois, de tempos em tempos, o olho precisa descansar, já que o esforço ocular é grande.

A Libras tátil é a língua de sinais adaptada ao tato. Essa adaptação consiste na realização dos sinais nas mãos da pessoa surdocega. Geralmente, a posição, orientação e configuração das mãos para execução dos sinais permanecem as mesmas, mudando apenas o espaço de sinalização e a forma de recepção. Iury e sua mãe, Elem Moraes, utilizam a Libras tátil para se comunicar.

Iuri, de camisa preta, e Elem, de camisa rosa, se comunicam através da Libras tátil dentro de sala da UnB.

Iuri e Elem Moraes se comunicando através da Libras tátil. (Foto: Maria Antônia Meneses/Campus Online)

Hoje, existem mais dois alunos surdocegos estudando na UnB além do Iury. Apesar disso, até hoje não foi atendida a demanda do guia-intérprete, profissional que trabalha com a pessoa com surdocegueira, auxiliando-a a se comunicar e locomover de maneira independente. Elem acredita que o filho sairá da UnB sem nunca ter sido auxiliado por esse profissional, tão importante para a aprendizagem do aluno, além dos outros estudantes surdocegos, que estão passando por muitas dificuldades. “Já procurei o PPNE - Programa de Apoio às Pessoas com Necessidades Especiais, os diretores do Instituto de Letras, a coordenadora do curso LSB/PSL, o Gabinete da Reitora e até o Ministério Público. O Iury e os outros alunos não estão sendo atendidos, e a gente fica triste pelo descaso com essa minoria”, lamenta Elem.

A coordenadora do PPNE, Thaís Imperatori, explica que são aproximadamente 360 alunos atendidos, e que não são acolhidos apenas alunos com deficiência: “Atendemos também pessoas com necessidades educacionais específicas, então o público são estudantes com deficiência física, visual, auditiva, intelectual ou múltipla, transtorno do espectro autista, dislexia, déficit de atenção, altas habilidades, superdotação e mobilidade reduzida”. Dessa maneira, apesar de todo o esforço, o programa não consegue atender a todos os alunos como gostaria. Para a mãe de Iury, a iniciativa precisa de mais apoio: “o PPNE já faz muito milagre. Mas falta apoio da UnB, com recursos humanos e financeiros, para esse núcleo funcionar de maneira adequada a atender todos os estudantes”, completa.

De acordo com o levantamento do PPNE, existem em torno de trinta alunos com deficiência visual, cegueira ou baixa visão nos cursos de graduação e pós-graduação. Para auxiliar o atendimento a esses alunos, existe, na UnB, o Laboratório de Apoio às Pessoas com Deficiência Visual. O Laboratório é composto por sete estudantes de graduação e pela coordenadora Sinara Zardo. No que diz respeito a surdocegueira, a equipe atende a demanda de produção de materiais no formato ampliado, por solicitação dos alunos ou tutores.

Mesmo contando com alguns tipos de auxílio, a luta dos estudantes surdocegos na UnB está longe de terminar. Elem e Iury lutam para que esses alunos não só ingressem, como permaneçam e terminem a faculdade.

“A UnB ganha com esses alunos, os estudantes ouvintes e surdos também ganham com esses alunos. O que as pessoas chamam de dificuldades, nós chamamos de oportunidade de aprendizagem para a vida inteira”, finaliza Elem.