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Muito mais do que alimentação: o movimento vegano e vegetariano na UnB

Lanchonete, restaurante, marmita, cookie, wrap e doces veganos. A cada dia o movimento vegano e vegetariano cresce mais na Universidade de Brasília (UnB). Hoje em dia, apesar de serem encontradas em menor número, não faltam opções para os veganos e vegetarianos. O Café Dona Neide, que fica no ICC Sul, é um exemplo. Desde 1992 na UnB, a lanchonete é uma filial da sede na Feira do Guará, administrada pelas netas da dona. O negócio familiar começou com a avó vendendo pão de queijo em escolas no Guará, continuou com o ponto que o avô recebeu na Feira, e, hoje, tem a filial na UnB, mais voltada para lanches com opções veganas, sem glúten, sem lactose e integrais.

Há aproximadamente 10 anos a equipe do Café Dona Neide percebeu que o público da UnB era diferente do público da Feira do Guará. Por isso, adaptaram, pesquisaram novos sabores e incluíram opções vegetarianas e veganas gradualmente. Com salgados caseiros e assados na hora, a receita perpassa as gerações da família, que tem a ajuda de quatro salgadeiras para a preparação dos doces e salgados.

Os clientes são fiéis. Milena Ramos, gerente da lanchonete, diz que alguns professores e funcionários frequentam o café da UnB desde que ele começou. Apesar da fidelidade, muitos dos clientes são, em sua maioria, pessoas que comem carne, mas que, de alguma forma, simpatizam como o movimento vegetariano e vegano: “as pessoas têm um tabu de achar que o lanche vegano vai ter um gosto diferente ou que pode não ser saboroso. Mas a gente tenta ao máximo dar o sabor, então não é porque ele é vegano que ele não vai ser saboroso”, explicou Milena.

A gerente acredita que uma maior consciência alimentar está atingindo as pessoas, não só na UnB. Ela fica feliz de estar trabalhando com um público que se interessa por esse movimento de saúde. “Aqui na UnB pelo menos sei que o pessoal adere e tá tendo essa procura maior de saúde, de trocar a alimentação, porque é a nossa base: se a gente não mudar agora, lá na frente vamos sentir. Então as pessoas estão tendo essa consciência”, afirmou. Além disso, Milena percebe uma crescente preocupação do público jovem com a saúde, e isso anima o Café Dona Neide a continuar e até expandir para outros lugares.

Cliente fiel do Dona Neide, a estudante de Arquitetura e Urbanismo, Mariana Mello, de 21 anos, é um exemplo de jovem preocupada com a saúde e a alimentação: “a minha atenção para alimentação começou bem antes de eu começar a pensar em ser vegetariana. Eu sempre fui ligada à alimentação saudável porque eu fazia academia, com isso eu fui aprendendo várias coisas em relação a gosto de comida. Eu amo comida não saudável mas eu amo comida saudável também”. Vegetariana há dois anos, ela entrou no veganismo há menos tempo, mas com a consciência de que sairia da zona de conforto e refletindo sobre o impacto no meio ambiente.

Quando se tornou vegetariana, Mariana continuou frequentando o Restaurante Universitário (RU), mas sentiu-se limitada para lanchar na UnB e hoje prefere trazer sua própria comida de casa, até mesmo pela economia. “Eu comecei a descobrir marmitas veganas que foram surgindo, isso em 2016, hoje em dia tem muito mais marmita do que antigamente. Mas eu ainda me sinto mais desamparada aqui na UnB na questão do lanche, porque estudo na FAU e tenho que ir lá no ICC Sul, porque na Dona Neide tem muita opção e no ICC Norte normalmente tem só industrializados”, demonstrou Mariana.

Apesar da dificuldade, Mariana sente-se segura para almoçar na UnB, pois sabe que encontrará marmitas especializadas em comida vegana. A estudante sente que, por ter muitos veganos e vegetarianos na universidade, as pessoas são mais abertas a essa temática, algo que ela acredita não ser comum no resto da sociedade. Hoje em dia, ser vegana e o amor por cozinhar tornaram-se partes importantes da vida da jovem: “me sinto independente e orgulhosa de fazer uma comida que eu sei que não têm maus-tratos e que está prejudicando o meio ambiente de forma minimizada”.

Essa é a mesma premissa que a empreendedora Aline Meneses, dona das marmitas veganas “Credo, que delícia!”, sentiu ao se tornar vegetariana há dois anos: “o mais importante para mim é o consumo consciente, é você saber que aquela carne não chegou em um plástico ou isopor do mercado, é você entender todo o processo. Eu acho que o principal é as pessoas estarem conscientes de todos os consumos, não só do consumo alimentar”. Ela conta que o vegetarianismo começou por uma questão de saúde e de consciência ambiental. Já o negócio das marmitas, que ela roda sozinha há seis meses, começou por necessidade: desempregada, ela uniu os conhecimentos que vieram do pai comerciante e da família nordestina que sempre amou cozinhar, ao sonho de empreender para começar a sua própria marca.

Ela escolheu a universidade para vender pois já estudou Engenharia Civil na UnB e sabia que aqui encontraria um público vegetariano e vegano grande, que não tinha tantas opções. O cardápio começou com um gosto pessoal que ela foi adaptando: com o hambúrguer vegano como seu diferencial, Aline gosta de trocar os acompanhamentos e aproveitar verduras e legumes da estação, além de incentivar pequenos produtores locais, já que ela compra a maioria de seus insumos em feiras de cidades satélites. “Para mim, o principal, além de ofertar a comida é a questão do veganismo, de mostrar que temos opções gostosas, saborosas, acessíveis, mostrar que é uma opção barata. Eu sempre vou tentar fazer coisas acessíveis, para mostrar que não é caro comer vegano, pelo contrário, a carne que é cara”, demonstrou Aline.

Aline faz tudo sozinha, desde as compras, escolha do cardápio e preparação dos pratos, até as publicações nas redes sociais. Ela começou as vendas “no grito”, mas criou a promoção para incentivar as pessoas a andarem com os próprios talheres: na compra de uma marmita você ganha um brigadeiro vegano e, se tiver talheres, ganha dois: “eu quero crescer a minha marca com embalagens sustentáveis, tudo no conceito, que não é só alimentação”. Hoje, a prioridade de Aline é a UnB, mas o sonho dela é expandir e ter a marca como filial, em bicicletas que ficariam em pontos estratégicos, como nos Ministérios. “Meu sonho é abrir filiais no Brasil inteiro e todos os lugares terem uma opção “Credo, que delícia!” marmita vegana. Enquanto eu puder ficar aqui na UnB eu vou ficar, é minha prioridade, mas a minha intenção é expandir”, projetou.

A empreendedora se sente contente em ver que a UnB tem muitas pessoas, em sua maioria jovens, vegetarianas e veganas, com uma maior consciência alimentar e ambiental, que ela acredita serem um reflexo da mudança. “Pelos meus clientes, eu acho que 70% são veganos ou vegetarianos, mas têm pessoas que são simpatizantes, que almoçam um dia ou outro, que querem diminuir o consumo, então eu quero ir atrás dessas pessoas. Eu acredito que a UnB é a mudança, é um reflexo do que está acontecendo, as pessoas estão migrando, estão mais conscientes”, completou Aline.

A estudante de Biologia Tatiana Maia, de 22 anos, começou o processo de vegetarianismo por conta do pai, que trabalhava no Instituto Chico Mendes e viu a destruição que o agronegócio causava na Amazônia. Assim, toda a família começou a aderir ao movimento de alguma forma e hoje eles não têm nenhum tipo de carne em casa, o que facilitou a transição de Tatiana para o veganismo. “Cada dia eu procuro me atualizar mais, eu parei de frequentar lugares com opções veganas e prefiro frequentar lugares 100% veganos. Quando eu vou comprar marmita eu dou preferência pra um lugar que seja 100% vegano”, explicou Tatiana.

Em 2015 Tatiana se tornou vegetariana, muito mais pelo sofrimento animal e pelo meio ambiente do que por uma questão de saúde. Porém, ela percebeu que estava seguindo uma dieta não-saudável e que não bastava só ser vegetariana: “depois que eu comecei a pesquisar sobre o assunto, eu me sentia mal comigo mesma, na consciência e no físico, de consumir coisas de origem animal”.

Assim, este ano, ela começou o processo do veganismo e admite que não está sendo tão difícil quanto imaginou. Ela acredita que Brasília é privilegiada no quesito do veganismo e que o movimento está crescendo. “Qualquer outra faculdade que você for em Brasília não vai ter o tanto de opção que a UnB tem. Em vários outros estados o RU não tem opção vegana ou é muito difícil de encontrar. Acho que Brasília é realmente um paraíso para as pessoas veganas e vegetarianas”. “Outra coisa que ajuda é que os vendedores informais da UnB também têm opções veganas, as pessoas passam vendendo cookie vegano, wrap vegano, sanduíche vegano, então os pequenos comerciantes também estão ajudando bastante nisso na UnB”, completou.

Tatiana relutou em se tornar vegana, pois achava que seria um sacrifício muito grande e se restringiria a comer poucas coisas. Hoje, ela aumentou a quantidade de comida e tem consciência da importância de sair da zona de conforto e de se alimentar melhor. “Eu me surpreendi muito quando me tornei vegana porque não foi nem 1% do que eu achava que era. Depois que eu virei vegana eu comecei a aprender várias receitas, a cozinhar mais, a ter mais vontade e ser mais aberta para comer outras coisas. Achei bem mais fácil do que eu imaginava”, finalizou Tatiana.