Comportamento
Um grito mudo na solidão
Como a pressão, estresse e o corporativismo influenciam na saúde mental dos professores universitários

Artigos, slides, aulas, livros, alunos, publicações, colegas, seminários, reuniões de colegiado. Tudo isso roda na cabeça, não se sabe com quem desabafar, o que fazer, como desacelerar. Nos corredores, ninguém nota, só se afastam cada vez mais. Sente-só. Entra na sala para odiar o que mais gosta de fazer por horas quase ininterruptas. Onde descontar? Listas de exercícios extensas, trabalhos com prazos curtos, provas e mais provas. Os dois lados pilhados, desanimados e quase perdidos. Está instalada a “ciranda da violência social” na universidade.

O termo é empregado pela psicóloga da Coordenação de Atenção à Saúde e Qualidade de Vida da UnB, Laene Pedro Gama para exemplificar as consequências na má saúde mental dos professores. Depressão, dor de cabeça, estresse e, principalmente, desânimo para desenvolver as tarefas rotineiras são os sintomas mais comuns. Abraçados às dificuldades, os profissionais seguem desenvolvendo seus projetos e pesquisas. Ambientes hostis e pressão em demasia são queixas frequentes e apontados como ativadores dos desconfortos.

“Os docentes são remunerados, cobrados e recompensados conforme o volume de atividades que apresentam. Em resposta a isso, muitas vezes eles adoecem, pois não sabem como lidar com esses estímulos”, afirma Laene. “Eles chegam a apresentar comportamentos que não são do seu temperamento comum e acabam, assim, diminuindo a capacidade de produção”, completa.

A pressão recebida passa a ser externalizada principalmente pelo isolamento e a solidão. Os outros colegas que trabalham junto com esses profissionais tendem a se afastar e evitar propor parcerias ou inserí-los nos círculos sociais. “No fim, todo esse estresse é descarregado nos alunos, seja de forma direta ou pela baixa na qualidade da aula, o que completa a ciranda da violência social”, conta Laene.

Um professor da Universidade de Brasília passou por uma situação como essa. Sabotado por uma colega em vários momentos, ele teve de se afastar das atividades de aula e pesquisa. Descrédito da tese de doutorado, boicote na organização de eventos, acusações - incluindo plágio - e até influência na nota final de uma orientanda fizeram com que esse docente se distanciasse dela e, aos poucos, perdesse a vontade de se manter na Universidade.

“Todo o meu estresse foi em consequência dessa pessoa. Eu vim do Rio de Janeiro, tinha emprego e tudo por lá. Mas eu queria trabalhar numa universidade, pesquisar, dar aulas. Queria ver os alunos vibrando comigo!”, conta o professor. “Cheguei no maior gás em 2011, mas desde aquela época já fui prejudicado muitas vezes pela mesma pessoa”, completa.

Com a relação desgastada e em posições diferentes hierarquicamente, o professor teve de aguentar calado as grosserias e assédios sofridos por imposição da colega de profissão. Os projetos de pesquisa eram motivos de disputa por parte dessa professora, o que o desmotivou a continuar. Ninguém se interessava em conversar com ele para entender o que acontecia ou perguntar como estava. Sentia-se excluído, sozinho e amordaçado.

O grupo de pesquisa que participava foi desfeito da noite para o dia e o ensino era o alento do professor. “Me agarrei nas aulas para conseguir me manter bem. Os alunos gostam. E como eu já tinha desistido da pesquisa depois das perseguições, me envolvi mais com o ensino para poder seguir”, afirma. Ainda sim, ele continuava perseguido pela colega de departamento. Mas o cérebro pediu arrego.

“Um dia, parecia que eu ia explodir. Não conseguia pregar os meus olhos a noite”, diz o docente. Nesse momento, já tomava remédios para ficar mais calmo e entrava em quadro depressivo. Foi quando começou a procurar apoios da administração da UnB. Na ouvidoria, foi aconselhado a não entrar com processo administrativo contra a colega que, por já ter mais tempo de casa, deveria ter muitos conhecidos no colegiado, o que inviabilizaria algum tipo de punição.

O professor, então, começou a reunir relatos e provas dos assédios morais e das sabotagens que passou desde 2011, quando entrou na UnB como substituto, até 2015, depois de passar pelo estágio probatório do concurso. Foi orientado assim para que pudesse entrar com um processo judicial contra a colega.

“A cada situação que eu lembrava, adicionava no relatório. Era como sentir a dor e constrangimento do momento de novo. Pensei em jogar a toalha"

O processo foi iniciado em 2016 e, já em profunda depressão, o professor mal conseguia levantar da cama. Não tinha condições de sair de casa, muito menos dar aula. “Eu adorava o meu quintal, com pomar e muitas árvores. Mas com o pânico que eu tinha, não era capaz chegar na porta, destrancar e sair”, relembra. Quando queria se envolver em atividade que lhe davam prazer, foi boicotado. O estresse a picos. Se sentia culpado pela situação e pelo processo.

“Nesses anos eu não produzi nenhum artigo. Parei de produzir, não fiz mais pesquisa. Estou com um monte de coisas no meu computador para publicar, inclusive, livros. Não fui a reuniões de colegiado. Já tinha me arrependido de ter vindo para Brasília. Me desanimei de tudo. Tudo que tinha sonhado foi ao chão”, desabafa. Estava tenso, deprimido, sem rumo. “A solidão é a pior coisa que existe no ambiente de trabalho, falta empatia dos colegas para te dar atenção e apoio. O corporativismo fez isso comigo.”

Conversando com uma amiga, que é psicóloga, percebeu que não estava bem e resolveu procurar ajuda. Foi quando procurou atendimento oferecido pela Coordenação de Atenção à Saúde e Qualidade de Vida, em 2017. Começou a ter os atendimentos com Laene Pedro Gama no HUB, uma vez por semana. Ali, mesmo dentro na Universidade, se sentia num porto seguro, onde podia desabafar os sofrimentos e intrigas de maneira fluida, sem se preocupar em explicar as estruturas organizacionais do departamento.

Depois desse atendimento inicial, procurou tratamento médico fora da Universidade, pediu licença para se cuidar, abrigou dois cachorros, trocou de psiquiatra, fez viagens para especialização no exterior e voltou a dar aulas mais tranquilo. Mas a solidão, depressão, e desânimo ainda batem a porta. “Grande parte do que gostava consegui voltar a fazer. Ainda sim, tem dias que não tenho vontade de levantar da cama. A pesquisa e a orientação na pós-graduação ainda não consigo, reflexo de tudo isso que passei. Ainda não estou totalmente recuperado”, afirma.