Universidade
Situação atual da universidade preocupa

“Crise” tem sido a palavra mais usada, tanto pela mídia quanto pela comunidade interna, para definir o estado atual da UnB. O Campus Online também entra no assunto para fazer um panorama do momento que a Universidade vive.

Por ser um órgão de ensino e pesquisa conceituado internacionalmente assim como toda instituição pública de ensino superior, a Universidade de Brasília é fonte de temas que alimentam os meios de comunicação de todo o País – mas não são só as atividades e fatos positivos que se destacam. O cenário atual, confuso e de muita polêmica, figura com certa frequência nas páginas de notícias.

No primeiro semestre de 2018, a situação financeira da UnB foi o motor de um protesto feito diante do edifício do Ministério da Educação, seguido de um ato-ocupação no prédio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e da ocupação do prédio da Reitoria, além da greve estudantil e dos servidores.

A reitora Márcia Abrahão em evento de celebração dos 12 anos da UnB de Planaltina (FUP). À esquerda, o diretor da FUP, Marcelo Bizerril

Claro que os problemas não começaram no segundo semestre de 2016 – exatamente o momento em que a professora Márcia Abrahão, do Instituto de Geociências, foi eleita reitora tendo como vice o professor Enrique Huelva, do Instituto de Letras. As dificuldades orçamentárias da UnB vêm de outras épocas e foi por isso que a gestão então recém-empossada fez uma auditoria interna nas contas da instituição. Com os resultados dessa auditoria, surgiu a necessidade de revisar contratos com as empresas que prestam serviços para a Fundação Universidade de Brasília; além disso, a verba extra que deixou de ser liberada pelo MEC em 2017 influenciou negativamente, como a reitora Márcia fala no áudio a seguir.

Verdade ou mentira?

A possibilidade de a UnB interromper seu funcionamento em agosto deste ano foi publicada por alguns veículos; no entanto, destoando dessa perspectiva imaginada, foram abertas 2.105 vagas para o vestibular do segundo semestre de 2018. A própria reitora Márcia negou categoricamente que o fechamento venha a acontecer e falou sobre uma das preocupações de sua gestão: aumentar a receita e reduzir as despesas.

No mesmo sentido, foi divulgada em grupos de WhatsApp, no início de maio, a demissão de 100% do efetivo da segurança, boato também negada pela reitora.

“É preciso eficiência”

O protesto diante do Ministério da Educação (MEC), na manhã de 10 de abril, começou pacífico, mas rendeu agressões da Polícia Militar do DF aos manifestantes, danos ao edifício e três estudantes detidos. Ao final da tarde, o prédio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação foi ocupado por algumas horas.

Não por acaso, o ato ocorreu no momento em que Rossieli Soares era nomeado ministro da Educação. E, ao ser questionado pela imprensa sobre as causas da ocupação que acontecia no prédio do FNDE e o problema orçamentário da UnB, ele disse que a Universidade poderia funcionar normalmente com a verba disponível, em comparação a outras instituições maiores que operam com repasses menores e que a gestão precisa “melhorar a qualidade dos gastos”.

Em uma nota divulgada na sequência, o Ministério disse:

“O MEC reafirma que o orçamento global da UnB cresceu de R$ 1.667.645.015 em 2017 para R$ 1.731.410.855 em 2018; em 2016 e 2017, foram repassados 100% dos recursos para custeio das universidades federais, fato que não ocorria há 2 anos. A UnB teve aumento de 12% nos recursos de custeio (manutenção) considerando todas as fontes de recursos. A UnB passou de uma execução de R$ 205,7 milhões, em 2017, para uma LOA de R$ 229,9 milhões, em 2018. Neste critério, a UnB é a segunda universidade com mais recursos entre o bloco das seis instituições de mesmo porte. As informações do MEC foram corroboradas pela direção da UnB em nota divulgada no portal da própria instituição.

O Ministério da Educação tem realizado diálogo constante, aberto e transparente com toda a sociedade sobre a situação da UnB. No período de menos de duas semanas, o MEC se reuniu em quatro ocasiões com representantes da comunidade da UnB. A última reunião aconteceu no dia 18 (de abril), no MEC, com a presença do ministro Rossieli Soares, da reitora da UnB, Márcia Abrahão Moura, do vice-reitor da UnB, Enrique Huelva, além de representantes da Secretaria de Educação Superior e da Subsecretaria de Planejamento e Orçamento do Ministério. Nesta reunião foram discutidos assuntos relacionados ao quadro atual de gestão da UnB, bem como das demais universidades federais e unidades vinculadas ao Ministério. As outras três reuniões do MEC com professores, servidores técnico-administrativos e estudantes da UnB aconteceram no dia 16, na Câmara dos Deputados e no dia 10, durante duas ocasiões: na invasão à sede do MEC e à sede do FNDE.

O MEC acredita no diálogo como instrumento de solução de impasses como o vivido entre a administração superior da UnB, alunos, servidores técnico-administrativos e professores. O MEC espera que a solução de consenso seja breve para que a UnB retome suas atividades normais, além de reafirmar a disposição de diálogo, respeitando as competências e responsabilidades de cada órgão e os limites da autonomia administrativa e de gestão da instituição.”

O MEC acredita no diálogo como instrumento de solução de impasses como o vivido entre a administração superior da UnB, alunos, servidores técnico-administrativos e professores. O MEC espera que a solução de consenso seja breve para que a UnB retome suas atividades normais, além de reafirmar a disposição de diálogo, respeitando as competências e responsabilidades de cada órgão e os limites da autonomia administrativa e de gestão da instituição

A ocupação da reitoria e a greve dos servidores

Na mesma semana do protesto, em 12 de abril, o prédio da reitoria foi ocupado. Durante dezoito dias, os manifestantes bloquearam o acesso ao interior da reitoria e os órgãos administrativos que funcionam nele precisaram ser transferidos para outras partes do campus Darcy Ribeiro; a gestão alegou que a ocupação dificultaria o pagamento dos salários e chegou a notificar extrajudicialmente o grupo. Por fim, o edifício foi liberado no final da manhã do dia 30, após um acordo.

A reitora disse que existiram dificuldades para a negociação com os ocupantes. Uma vistoria feita depois da desocupação encontrou danos ao patrimônio, documentos privados e anotações pessoais dela e de servidores mexidos, além do sumiço de equipamentos. Ela avaliou esses acontecidos como atos com outros objetivos além da política.

O movimento Ocupa UnB disse, em uma nota publicada em sua página no Facebook no mesmo dia da liberação do prédio, que “[…] a mídia hegemônica auxilia nesse processo de criminalização, favorecendo estigmas sobre as/os ocupantes e pressionando a Reitoria a solicitar uma medida judicial de reintegração de posse do prédio ocupado. […]”. Ainda na nota, o grupo fala que houve uma tentativa de desestabilizar a ação através de boatos.

A greve dos servidores foi deflagrada em 24 de abril, com o objetivo de protestar contra as demissões. Alunos de alguns departamentos também interromperam as atividades em apoio aos funcionários, mas, sem a adesão total inclusive dos professores, as aulas seguiram normalmente em boa parte dos cursos.

Nova chance

Em maio, a reitora disse ao Campus Online que o diálogo com o MEC está acontecendo da melhor maneira possível e que a proposta é garantir, após uma nova avaliação que será feita em setembro deste ano, a autorização do Ministério para que o dinheiro excedente de 2017 seja utilizado pela Fundação Universidade de Brasília.

Este excedente é o valor que a UnB arrecadou acima do teto orçamentário (superávit) no ano passado e fica depositado em uma conta do Tesouro Nacional. Entretanto, só poderá ser liberado caso a arrecadação em 2018 seja menor que a do ano passado.

Márcia disse, também, que há uma mobilização para impedir que as universidades federais sejam afetadas pela Emenda Constitucional 95.

O lado mais fraco da corda

Outra complicação dos cortes orçamentários foi a demissão de 1100 estagiários, que tiveram seus contratos encerrados em 30 de maio. A partir daí, passou a ser responsabilidade de cada departamento contratar e pagar as bolsas de estágio.

O Campus Online publicou, também em maio, entrevista com a decana de Planejamento, Orçamento e Avaliação Institucional, Denise Imbroisi, que falou sobre a situação dos estagiários, além da necessidade dos reajustes contratuais, a discussão sobre o aumento do preço das refeições no Restaurante Universitário e a continuidade dos programas de assistência estudantil sem alterações.

Denise também rebateu uma matéria publicada pelo Metrópoles em março deste ano, que citava uma fala sua abordando o possível fechamento.

Em relação às greves, a reitora preferiu não se posicionar.

Maurício Sabino e José Almiran Rodrigues, integrantes da coordenação do Sindicato dos Trabalhadores da Fundação Universidade de Brasília (Sintfub), confrontaram as afirmações da reitora Márcia sobre a situação orçamentária. José diz que a gestão não tem defendido a UnB como deveria.

Maurício aponta a necessidade real da revisão dos contratos com as empresas, mas reforça que seria possível fazer isso e evitar as demissões dos funcionários. José fala ainda sobre as falhas nas negociações desses mesmos contratos e os efeitos da redução do número de terceirizados, em especial no serviço de limpeza.

As lideranças do Sintfub explicam o apoio à causa dos terceirizados, como eles são representados pelo sindicato e a motivação da greve.

Sobre a aplicação linear dos cortes, alegada pelo Sintfub, a reitora falou ao Campus Online por e-mail:

“Não estamos aplicando linearmente os cortes. O que acontece é que herdamos, da antiga gestão, contratos de prestação de serviços muito superiores à nossa real capacidade de pagamento. Este ano, esses contratos somam R$ 214 milhões, para um orçamento de custeio de cerca de R$ 137 milhões. Nosso déficit é da ordem de R$ 92,3 milhões.

Para enfrentar esse difícil cenário, estamos trabalhando com aumento de receita e redução de despesas. Como gestora, também estou indo ao MEC para pedir a recomposição do orçamento e o aumento do teto para que nós possamos utilizar os recursos próprios. É o que cabe a mim, como reitora da Universidade, fazer. O sindicato tem uma forma de atuação, e a gestão tem outra.”

E o futuro, a quem pertence?

Em novembro de 2017 o Banco Mundial divulgou o relatório “Um ajuste justo: análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil”, disponível apenas em inglês. Um capítulo específico, “Gastar mais ou melhor? Eficiência e equidade da educação pública”, foi criticado por entidades voltadas ao ensino público e professores de várias universidades do país por apontar dados e sugerir atitudes que não condizem com a situação da educação no Brasil.

Está disponível a observação detalhada desse capítulo, feita pelo professor Nelson Cardoso do Amaral, da Universidade Federal de Goiás (UFG), que destaca falhas na metodologia aplicada ao estudo. Nas palavras de Nelson, “como conferir credibilidade a um documento que faz inferências, afirmações e apresenta uma realidade educacional tão distorcida, que não considera a história, realidade social, econômica, cultural e territorial do país em análise?”.

Um tópico discutido desde que a Emenda Constitucional 95 foi aprovada é a possível cobrança de mensalidade pelas universidades públicas ou mesmo a privatização. Ela é um dos dois braços de um processo chamado desestatização, que, de acordo com o Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES), consiste em vender ativos públicos ou transferi-los para a iniciativa privada por um prazo determinado de tempo – esta última parte é a concessão. Ocorre que a concessão aparenta ser o meio pensado para desestatizar o ensino superior público e não a privatização.

Entidades como a Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior) e o Andes (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior) discutem com frequência o que deve ser feito para preservar a autonomia universitária e evitar esse risco. Ela é, como disse o professor Luiz Araújo, da Faculdade de Educação da UnB em entrevista à Carta Educação, garantida pela Constituição Federal, exercida independente de governos e composta por três pilares essenciais: autonomia financeira, administrativa e liberdade de cátedra – ou seja, tudo o que diga respeito ao funcionamento e gestão de uma instituição pública de ensino superior e à sua produção acadêmica e científica não deve sofrer interferências externas.

Porém os cortes de verbas limitam a soberania financeira e administrativa, pois afetam ao mesmo tempo o ensino, a pesquisa, a extensão e a normalidade das funções básicas. Já a liberdade de cátedra é atingida quando há pressões externas arbitrárias para alterar o conteúdo que é oferecido aos estudantes, como ocorreu em fevereiro deste ano quando o então ministro da Educação, Mendonça Filho, anunciou em sua conta no Twitter que acionaria o Ministério Público Federal para impedir que a disciplina “O golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil”, ofertada pelo Instituto de Ciência Política sob a supervisão do professor Luiz Felipe Miguel, fosse lecionada.

Mas apesar das adversidades – que são muitas – a estrutura feita de concreto e gente insiste em continuar ativa.

Análise: e então, já conseguimos entender o que acontece com a UnB?

pela equipe do Campus Online, primeiro semestre de 2018

Este foi um trabalho de perguntas – a começar pelo título -, com muitas respostas difusas. Versões de todos os lados possíveis, dados fixos e difíceis de confrontar e a preocupação de produzir um conteúdo que não fosse mero institucional. Apesar da sensação de “mais do mesmo”, soubemos desde o início que seria uma grande responsabilidade fazê-lo.

Claro que não para por aqui. Pretendemos levar este trabalho adiante, com as turmas que vierem e da maneira que for possível – com autonomia. Palavra esta, aliás, que tem certo impacto e significado especial quando se trata de uma universidade pública.

Manter a autonomia das universidades, e fazer valer seus três pilares, passa por não permitir interferências excessivas de quaisquer outros órgãos, incluindo o Ministério da Educação. “Ingerência” é um termo forte, porém o mais apropriado para definir essas tais interferências, que têm sido cada vez mais frequentes.

Mas a autonomia se preserva, também, quando as gestões são claras sobre tudo o que se passa – e quando os movimentos estudantis não deixam que a cegueira ideológica das mais variadas vertentes tome conta do ambiente. Com isso, todos os blocos da comunidade universitária conseguem se unir em defesa da instituição.

É muito mais complicado confrontar o que é desconhecido, em particular porque vivemos tempos em que a informação é uma arma nem sempre usada de forma positiva. Esta é a razão pela qual esclarecer os fatos ao máximo, sem vieses de nenhum tipo, deve ser uma obrigação de qualquer entidade ou grupo que diga defender o ensino superior público e seus estudantes.

Uma dificuldade evidente foi lidar com os boatos. Eles não são fáceis de checar como parecem; é um processo refinado, que as demais obrigações de um semestre nem sempre tornam possível pôr em prática. Aqui, entram mais questões: quem sai ganhando com tantas informações desencontradas sendo divulgadas? Isso é questão meramente administrativa ou está sendo feito um uso ideológico simplista e raso do momento que a UnB vive? Onde está mesmo a verdade?

Todos saem perdendo quando nada pode ser conferido com tanta profundidade. No entanto, é um desafio que não desestimula, muito pelo contrário.

Assim, nossa resposta à pergunta-título desta reportagem é “continuaremos tentando descobrir”. Outro sinal de autonomia.

Colaboração: Thalyta Guerra, Pollyana Fonseca e João Guilherme Romariz

Editorial - A batalha delas