Opinião
Nem sempre o jornalismo deve ser imparcial

A coluna a seguir foi escrita pelo jornalista e professor da Universidade de Brasília (UnB), Zanei Barcellos. O texto é opinativo e não reflete, necessariamente, a opinião do Campus Online. Leia a coluna:

Notei um certo desprezo da imprensa tradicional ao conjunto de matérias bombásticas que o The Intercept publicou comprovando o conluio entre o juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol na Operação Lava Jato. A operação, entre outras consequências, levou Lula à prisão, Bolsonaro à Presidência e Moro ao Ministério da Justiça, rumo ao STF ou à sucessão de Bolsonaro. Rumos agora mais distantes.

A imprensa tradicional minimiza The Intercept porque não foi ela que fez o melhor e mais útil trabalho jornalístico dos últimos tempos. Desde sempre, a imprensa só se presta de papagaio das classes dominantes na economia e na política. Desta vez não, The Intercept ousou não ser "imparcial", saiu do círculo corrupto ao qual a imprensa está viciosamente atrelada. Atrelamento esse que se dá não só porque se alimenta das informações dele, mas também porque sobrevive das propinas distribuídas a quem compactua, prática que nem Lula ou Dilma erradicaram, mas que diminuíram. Os dois também ameaçaram regular a mídia e fazer valer a Constituição nos quesitos da Comunicação e, por isso, caíram em desgraça com a velha imprensa.

The Intercept fez jornalismo parcial, rompeu com o círculo oficial corrupto, não ouviu os Moros e Dallagnols, publicou provas, evidências de que estes, travestidos de defensores da lei, da ordem, da correção, da Pátria, dos bons costumes, agiram para derrubar uma presidente contra quem nada se provou e a prender um ex-presidente contra quem se forjaram evidências. Tudo às fuças da imprensa, que cumpriu os protocolos de ouvir as autoridades, as fontes oficiais, sem nunca desviar-se delas para investigar de verdade. The Intercept, sim, desviou-se deste vergonhoso ciclo vicioso, conseguiu provas e teve coragem de publicá-las. Foi parcial, optou pela ética, pela moralidade, por servir à cidadania, à democracia, por justificar a razão da existência do jornalismo, que não é outra senão o bem público.

A grande imprensa tradicional não dá o devido espaço e força ao que foi comprovado pelo The Intercept e tenta minimizar os impactos das comprovações do golpe contra Dilma, da armação para a prisão de Lula e da sua retirada da disputa pela Presidência porque participou de tudo isso. E agora, como autodefesa, escancara espaços a Moros e Dallagnols para balelas declaratórias, desmentidos frouxos, sem provas, sem comprovações. Ainda bem que há algo de novo no jornalismo crescendo por aqui e por aí.