Em julho deste ano, o Ministério da Educação (MEC) propôs o denominado Programa Instituto e Universidades Empreendedoras e Inovadoras - Future-se que promete auxiliar os Institutos Federais em seus orçamentos. O programa, apresentado por meio de um Projeto de Lei pelo Ministro da Educação, é visto como uma alternativa para contornar o problema de contingenciamento dos recursos para educação.
Resumidamente centralizado nos eixos de Governança, Gestão e Empreendedorismo; Pesquisa e Inovação; e Internacionalização, o Future-se, de acordo com o Ministério da Educação, tem como objetivo fortalecer a autonomia das Universidades e Institutos Federais incentivando a captação de receitas próprias e realizando contratos com Organizações Sociais (OS’s) e a União. Algo que, segundo o secretário de Educação Superior, Arnaldo Barbosa, dá mais flexibilidade e permite que se tenha uma sustentabilidade financeira intertemporal. No entanto, na percepção de muitas universidades, o real cenário do Future-se é caracterizado por mais cortes e pela ausência de responsabilidade do Governo com o setor.
De 17 de julho à 29 de agosto, o programa passou por um período de consulta pública. Cerca de 59.204 pessoas se cadastraram, das quais 20.462 responderam pelo menos uma questão do formulário segundo o Ministério da Educação. Ainda de acordo com o MEC, os dados da consulta pública estão sendo analisados até então. Posteriormente a essa análise, as informações obtidas serão compiladas para a elaboração da proposta normativa que será entregue ao Congresso Nacional.
Entretanto, no dia 8 de outubro, o Ministério Público Federal pediu à Justiça, por meio de uma ação civil pública, para que o Ministério da Educação realize uma nova consulta pública do Future-se alegando que a consulta anterior não cumpriu o mínimo dos requisitos legais na área.
O Future-se também foi enviado às universidades públicas para que elas pudessem avaliar as propostas e se manifestarem até o dia 7 de agosto sobre a adesão ou não do programa. Segundo um levantamento realizado pelo Estadão, das 63 universidades contatadas, 27 recusaram, 7 tem posições críticas e nenhuma falou na possibilidade de aderir. Das 27 que recusaram, quatro já se pronunciaram oficialmente: a Unifesp, a UFRJ, a UFMG e a UnB.
Porque a UnB disse NÃO ao Future-se
“Principalmente por causa do comprometimento em relação a autonomia. Existem vários outros problemas como de coerência na peça. Também são questionadas a legalidade de certas aplicações, mas o fundamental é que o Future-se agride frontalmente o conceito de autonomia universitária”, afirma o Chefe de Gabinete da Reitoria, Paulo Cesar Marques.
Esse e mais outros pontos foram apresentados pela Universidade de Brasília em um relatório de 24 páginas publicado no site oficial. O documento está separado em três partes, sendo a primeira responsável por informar as iniciativas já tomadas pela universidade que relacionam-se aos três eixos do Future-se; a segunda, em realizar uma análise focada no projeto de lei; e a terceira, além de apontar outras considerações, teve como objetivo justificar o porquê a UnB foi contra a adesão do projeto.
Desde a aprovação da PEC 95/2016 - que estabelece um teto para os gastos públicos, incluídas as áreas da saúde e educação - a UnB vem enfrentando dificuldades orçamentárias. Porém, apesar desses obstáculos, a Universidade de Brasília afirma que tem conseguido fazer a administração de recursos escassos ao concluir obras inacabadas e reduzir gastos com água por exemplo. Além disso, a universidade vem priorizando uma gestão mais simplificada e moderna, através da implementação de programas como o Simplifica UnB, que visa a desburocratização e já reduziu o tempo de processos de progressão funcional, que era de até dois anos para 81 dias, por exemplo.
Em todos os eixos propostos pelo Future-se, a Universidade de Brasília alega já ter políticas implementadas e em funcionamento. Em relação ao empreendedorismo e inovação, a UnB conta com o Centro de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico (CDT). O CDT já existe há 30 anos e procura integrar o desenvolvimento tecnológico, empreendedorismo e inovação juntamente com a Universidade, as empresas e a sociedade, contribuindo para o cenário de desenvolvimento social e econômico do Distrito Federal.
Para a realização da análise e do relatório do Future-se, foi criado um grupo de trabalho (GT) composto por professores das várias áreas de conhecimento presentes na universidade. Participaram do grupo:
Também foram consultados Ana Cláudia Farranha, Cristiano Paixão, Márcio Iório Aranha e Othon de Azevedo Lopes que são professores da Faculdade de Direito da UnB. Participaram da análise membros da Procuradoria Federal junto à UnB (Tiago Coutinho de Oliveira, Procurador-Chefe, e Vitor Pinto Chaves, Coordenador de Assunto Estratégico) e a advogada do Cebraspe, Maria Luiza Salles Borges Gomes.
Além do relatório divulgado, a União Nacional dos Estudantes (UNE) vem preparando um programa alternativo ao Future-se. De acordo com o diretor de relações institucionais da UNE, Filipe Eich, o projeto proposto pelo MEC tem defeito na sua elaboração, não cabendo então uma reelaboração da proposta, e sim, a construção de um programa que realmente atenda às necessidades das IFES. A nova proposta está prevista para ser apresentada do seminário da UNE, na Unifesp, nos dias 26 e 27 de outubro.
Um pouco mais sobre o Future-se
O programa também visa criar um fundo “soberano do conhecimento”, utilizando-se o conhecimento como receita infinita. Nele será depositado o dinheiro arrecadado por meio de financiamentos, doações, parcerias, como o naming rights, com o setor privado.
Outro propósito do programa, é criar a “Sociedade de propósito específico”, que permite que os departamentos dos cursos fechem acordos com setor privado para se dedicar a sua especialidade, como por exemplo, pesquisas e desenvolvimento de projetos. A partir disso, o departamento terá a chance de captar dinheiro próprio e retorná-lo às partes que o integram.
Também irá entrar no fundo verbas provindas de fundos imobiliários que atualmente pertencem às Universidades e se caracterizam como recurso próprio. A ideia do programa é que esse recurso passe para o Ministério da Educação e faça parte das cotas de fundo de investimentos, se tornando assim um recurso privado. Desse modo, o MEC passaria a ser um dos cotistas do fundo “soberano do conhecimento”.
Segundo o Ministério da Educação, cerca de R$ 102 bilhões seriam captados, sendo R$ 50 milhões de fundo imobiliário, R$ 33 milhões de fundos constitucionais, R$ 17,7 bilhões de leis de incentivos fiscais e depósitos de investidores à vista e R$ 1 bilhão de verba cultural. O restante, cerca de 0,7 bilhões, viria de outros tipos de investimentos como utilização econômica do espaço público e fundos patrimoniais.
O programa Future-se procura deixar claro que toda gestão do dinheiro e governança passará a ser feita pelas Organizações Sociais em conjunto com as Universidades. No entanto, não há no projeto de lei nenhum detalhamento de como essa gestão seria feita e até que ponto as Organizações Sociais poderiam interferir no funcionamento das instituições públicas. Segundo o que foi dito pelo secretário de Educação Superior na apresentação do programa, as OS’s iriam focar mais na questão de despesas e gerenciamento enquanto que os reitores (representantes máximos das universidades) se preocupariam com os três pilares: pesquisa, ensino e extensão.
O que se pretende com o programa, de acordo com a apresentação realizada sobre o projeto, é gerar um ciclo virtuoso que retorne para as ações do Future-se, centralizadas nos três eixos estabelecidos. Porém, também não há no PL um prazo aproximado de quando o dinheiro captado, depositado no fundo soberano, irá retornar para as universidades.
Todo o projeto foi apresentado com a ressalva de que atuaria auxiliando o orçamento dos Institutos Federais e de que a adesão é voluntária. Com a aceitação do projeto, seriam alteradas 17 leis em vigor, como a Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional (LDB), as regras para isenção tributária de importações, as regras de deduções do imposto de renda e o Plano de Carreiras e Cargos do Magistério Federal. Neste último, uma das grandes mudanças seria a contratação via CLT de professores e não mais por concurso público.