Comportamento
Suicídio e Saúde Mental dos estudantes: O fortalecimento de laços em defesa da vida na Universidade
“O suicídio faz parte da condição humana. Desde que existe a humanidade há este fenômeno. Como fenômeno possui múltiplas dimensões: psicológica, corporal, relacional, espiritual e sentido de vida”, Ileno Costa.

A forma como a sociedade enxerga o tema interfere na maneira como cuidamos das relações intersubjetivas. Não é possível pensar a subjetividade do humano se não refletir sobre a vida. De acordo com Organização Mundial de Saúde (OMS), 32 pessoas por dia no Brasil tiram a própria vida. E para cada suicídio há, em média, no mínimo 6 pessoas próximas ao falecido que sofrem intensas consequências emocionais, sociais e econômicas. Ou seja, são cerca de 224 vidas perdidas ou gravemente abaladas todos os dias no Brasil. Em 90% dos casos, o suicídio poderia ter sido prevenido, contanto que existissem condições mínimas para oferta de ajuda profissional ou voluntária, de acordo com a Organização.

O diretor do Decanato de Assuntos Comunitários da Universidade de Brasília e professor de psicologia há mais de 25 anos, Ileno Costa, acredita que deve-se parar de minimizar o fenômeno do suicídio como sendo apenas uma doença ou problema pontual, quando na realidade é um problema da existência e que trata-se de questões fundamentais do ser humano. “Humanizar o suicídio significa trazer de volta o cuidado que temos que ter com as pessoas, principalmente, com pessoas que perderam o sentido de viver, por exemplo”, disse o diretor.

A tentativa de suicídio é uma questão individual, porém o ser humano é relacional e a qualidade inerente à vida é o cuidado. O sentimento de desesperança, desespero e desamparo são condições de vivências e ressaltam a importância do afeto, que é a possibilidade da vida existir na relação com o outro. As relações interpessoais passam pelos vínculos de confiança, são laços que possuem um papel fundamental, para fortalecer o sentido da existência e que determina quem pode ajudar de forma imediata.

“Cuidar e promover saúde é ação de todos. Prevenir agravos e tomar cuidados profissionais é de alguns, mas cuidar das relações para que a qualidade de vida exista é de todos nós. Perguntar, conversar, ouvir, proteger e procurar ajuda, são atitudes humanas por excelência”, afirmou o diretor Ileno Costa.

O papel da Universidade no debate da saúde mental

O ato de entrar na Universidade é considerado um marco na vida de muitos estudantes por representar uma realização pessoal e o começo de uma nova etapa. Por isso, cria-se uma “expectativa de que nela tudo vai ser diferente”, como declarou a professora de Psicologia Clínica e diretora da Diretoria de Atenção à Saúde da Comunidade Universitária, Larissa Polejack. “A Universidade é como se fosse um portal mágico pelo qual os jovens vão passar e onde tudo vai ser diferente”, ilustrou a professora. No entanto, ao adentrar nela, o estudante percebe que esse portal não é tão mágico assim, pois é um universo para o qual muitos não estão preparados.

Nesse sentido, a Instituição adquire um papel importante em relação à saúde mental dos estudantes. Um papel, que na verdade, representa uma extensão de algo que já deveria ter sido desenvolvido no ensino fundamental e médio. Segundo a professora Larissa Polejack, o problema do ensino não é só da Universidade, é um problema que vem do ensino tradicional. Para ela, o modelo de educação sempre se centrou em um objetivo individual. “É um ensino que não privilegia a reflexão crítica sobre a realidade, a questão afetiva das relações e que está muito focado no produto, no mérito, e em passar no vestibular”, complementou.

A Universidade vem tentando mostrar que a saúde mental é um fenômeno complexo, determinado por várias condições que não são só individuais, mas sociais. É necessário trabalhar em multiníveis no âmbito do problema da saúde mental. Esses níveis se constituem no tripé da Universidade: Ensino, Pesquisa e Extensão. Um deles é o eixo da produção do conhecimento, o incentivo ao debate e à reflexão sobre os fatores que interferem na saúde. O outro é o papel da UnB enquanto espaço pedagógico e de ensino, e o trabalho nas questões que afetam a qualidade das relações e da aprendizagem. O último é a promoção de serviços de apoio para a comunidade, como projetos e atividades de extensão.

O estudante de Teoria Crítica e História da Arte, Júnior Costa, destaca a importância de se debater sobre saúde mental e suicídio: “É importante a gente ampliar o debate. Não só tratar como uma questão de saúde, muito específica, mas entender que a questão envolve vários aspectos”.

Um desses aspectos é a questão da vulnerabilidade. Os condicionantes da saúde e os determinantes sociais estão ligados a questões socioeconômicas, relacionais e de preconceitos. Nesse conceito de vulnerabilidade, existem três divisões: vulnerabilidades individuais, que têm a ver com as condições de vida; psicológicas, a forma de lidar com as coisas, e principalmente, a vulnerabilidade social, onde entra os preconceitos e as questões socioeconômicas.

Felipe de Baére, psicólogo clínico, atualmente, doutorando do Programa de Pós Graduação em Psicologia Clínica e Cultura do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília, considera que o Brasil é um país marcado pelo sexismo e racismo, e que aqueles que não estão dentro dos padrões normativos impostos vivenciam sanções sociais. “Por viver em um país preconceituoso, as pessoas que possuem marcadores sociais, por exemplo, mulheres, negros e lgbts encontram-se em uma situação de vulnerabilidade no que tange à saúde mental”, ressaltou o psicólogo.

Para ele, as Universidades são micro universos que representam um espaço maior da sociedade. Nesse contexto, assim como muitas pessoas fora do ambiente acadêmico sofrem por questões de preconceito, discriminação e machismo, não seria diferente na Universidade. “Muitos conflitos vivenciados durante a graduação possuem impactos muito fortes no psiquismo das pessoas”, reiterou Felipe.

Caminhos para a prevenção

Dentro da lógica da valorização da vida e da saúde mental, em abril de 2019, o decano, Ileno Costa, do Decanato de Assuntos Comunitários (DAC), criou a Diretoria de Atenção à Saúde da Comunidade Universitária (DASU). O princípio que embasa a Diretoria é o princípio da Universidade promotora de saúde, um movimento internacional que busca fomentar ações que visem a melhoria da qualidade das relações, o fortalecimento da autonomia e uma ambiência mais saudável.

A Diretoria é composta por três coordenações: a Coo-educa (voltada para os processos educativos da universidade e o desenvolvimento de ações de melhoria da qualidade da educação); a Coo-rede (responsável pela articulação de redes e parcerias com o intuito de alcançar toda a comunidade) e a Coordenação de prevenção, promoção e atenção à saúde (voltada para ações de prevenção e saúde mental, fortalecimento das habilidades sociais, acolhimento e intervenção em crise). A professora Larissa Polejack, e também, diretora da DASU, acredita que a junção do trabalho dessas três coordenações vai, de forma gradual, conseguir cuidar melhor da comunidade.

Uma ação que a Diretoria já está implementando são as Rodas de Terapia Comunitária Integrativa, uma parceria da Secretaria de Saúde do DF, que busca acolher estudantes, professores e técnicos administrativos, por meio do compartilhamento de experiências e enfrentamento de problemáticas. As rodas são gratuitas e acontecem no campus Darcy Ribeiro e na Faculdade de Ceilândia (FCE), mas a diretoria pretende ampliar a ação para todos os campi da Universidade.

Outro protagonista importante na prática da prevenção é o Grupo Entrelinhas, formado e gerido por psicólogas do Centro de Atendimento e Estudos Psicológicos (CAEP) da Universidade de Brasília. O Grupo surgiu quando, no ano de 2016, foi observado um aumento na demanda por ações de pós venção e prevenção/promoção de saúde junto à Comunidade Acadêmica da UnB. Dentre os serviços prestados, estão a montagem de projetos de prevenção ao suicídio, palestras de acolhimento e suporte ao luto.